sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cosplay: mascarados o ano inteiro

É uma tendência japonesa com cada vez mais adeptos em Portugal. No cosplay (costume play) há uma linguagem própria, fatos feitos pelos participantes, convívio. Põem-se máscaras por um dia. Tantas vezes por ano quantas se quiser. Clique para visitar o canal Life & Style.

Quem ali passasse, naquele sábado frio de Inverno, não tinha como não deter o olhar. A zona junto à porta da Central Comics, uma loja de banda desenhada no Porto, fervilhava com dezenas de jovens fantasiados das mais diversas maneiras. Estava um dia gélido, mas isso não impedira muitos destes miúdos de irem trajados a rigor para um encontro de cosplay. Cos... quê? Cosplay, a tendência japonesa - abreviatura de costume play - que consiste em encarnar uma personagem das séries de anime (animação japonesa) ou manga. Os participantes vestem-se conforme a figura que querem assumir - e são milhares as possibilidades -, com fatos feitos por si, e participam em concursos.

Nestes convívios, os jovens partilham o mesmo código. São rapazes e raparigas entre os 15 e os 30 anos, que cresceram com o universo das séries japonesas na televisão e que andaram a investigar mais na Internet. O cosplay chegou há uns anos a Portugal e foi crescendo, devagarinho. Hoje, há eventos em muitas cidades, incluindo um grande encontro anual em Lisboa, na altura do Carnaval. E tem uma legião crescente de adeptos. Hugo Jesus, da Central Comics, garante que serão seguramente uns 500 os jovens portugueses que praticam cosplay, a julgar pelos fóruns e pelas pessoas que aparecem nos concursos. "E a tendência é para aumentar."

Dentro da loja, mergulha-se num mundo paralelo. Cruzamo-nos com Maids, Lolitas, Misas, Nyus, Sijuro Hikos, Squall Leonharts e Soras, personagens de manga e dos jogos da PlayStation. Gente com cabelos compridos cor-de-rosa e orelhas de gato passa por guerreiros de espada e criadas trajadas a preceito. É um universo cifrado, incompreensível para quem está de fora, com uma linguagem própria, de uma geração que saltita agora de contentamento diante de cromos autocolantes e de bonecos com os seus heróis alinhados nos escaparates. Se uns estão mascarados de criada ou de super-herói, outros que parecem disfarçados estão vestidos deles próprios - e outros que parecem vestidos deles próprios, de calças de ganga e t-shirt, estão fantasiados. Ângela Pata vem vestida de Maid (Criada) - saia vermelha, avental, touca... Comprou o fato no eBay, onde "há muitos vendedores especializados em cosplay", mas outros dois costurou-os ela, como mandam as regras do jogo. Noutro concurso, fez de Lolita, "uma manager de uma banda de música de heavy metal, da série japonesa 'Detroit Metal City'". Esclarecidos?

"A minha mãe sabe e até gosta"

Esta lojista de 26 anos iniciou-se no cosplay há dois, embora conheça o universo há mais tempo, da televisão - o "Sailor Moon", o "Dragonball". Descobriu estes eventos através da Internet, e desde então conheceu muita gente. O que Ângela acha mais interessante na "história das máscaras" é "trazerem à tona aspectos da personalidade que nem sempre estão à superfície". Veio de Aveiro com a irmã mais nova, que introduziu na 'modalidade'.

Daniela, estudante do 8º ano, está a fazer cosplay de Nyu ou Lucy, "uma personagem de um anime que mata muita gente e depois se esquece" (!). Ela gosta particularmente do facto de esta personagem - cabelo rosa comprido, orelhas de gato, brilhantezinho azul num dente - "ser boa e má". Noutro cosplay, vestiu-se de Misa Misa (da série "Deathnote"), "uma modelo gótica que se apaixona por um rapaz, Kira, que tem um livro, e quando ele lá escreve o nome de alguém, passados 40 segundos, essa pessoa morre". Daniela gosta de conviver com esta gente, "pessoas animadas, muito fixes". "A minha mãe sabe o que isto é e até gosta. Alguns amigos já viram animes comigo, mas ainda têm vergonha de se vestirem assim e virem para aqui."

Cosplay: mascarados o ano inteiro
Anda uma outra Misa por ali. É Luísa Castro, de 16 anos, que faz o seu primeiro cosplay. "Conheço isto desde pequenina. mas só desde os 14 me interesso mais", explica. "Porque é que venho de Misa? Porque me identifico um bocadinho com ela. Acho-a muito bonita, gosto do que ela faz na história. E ela é muito apaixonada pelo namorado", suspira.

Hugo Santos, estudante universitário de informática, é repetente. De 'ferida' vermelha a meio da testa, encarna Squall Leonhart (da série "Final Fantasy", um jogo da PlayStation), "um solitário que vive num orfanato e tem dificuldade em ligar-se às pessoas". Na mão, traz uma gunblade (espada) com mais de um metro de comprimento. "Foi feita mais pelo meu pai do que por mim. Pegámos numa placa de madeira, recortámo-la, pintámo-la de prateado. Outro bocado da arma foi feito pela minha ex-namorada, que também conheci no cosplay. O namoro durou um ano e meio. Ela fazia de Rinoa, a namorada do Squall no 'Final Fantasy'..."

O desfile das estrelas

Mas nem só de sub-20 vive o cosplay. Bruno Nunes é o "filho mais velho". Aos 29 anos, continua a achar graça a um universo totalmente incompreensível para os seus amigos. Hoje, encarna a personagem de Seijuro Hiko, mestre espadachim que ensina a Kenshin o estilo hiten mitsurigi (uma forma de esgrima). "Há anime para crianças, para adolescentes (Shonnen), masculino, feminino (Shoujo)... E há manga para crescidos (Seinen). Aumenta o grau de violência, de coerência, o conteúdo sexual", explica. "No cosplay vejo diversão, conheço pessoas com os mesmos interesses. E, por um dia, saio completamente da minha realidade."

Ao fim da tarde, o concurso está prestes a começar. Dez cosplayers preparam-se para desfilar. Cá em baixo, dezenas de espectadores e fãs incentivam-nos. Ouvem-se gritos de impaciência. Os fotógrafos disparam os flashes. Dá ares de desfile a sério... Krory - Ricardo Dias, 20 anos - foi um dos últimos a chegar, mas é veterano. Este é o seu quarto concurso. Há dois anos que faz cosplay. "Como adoro teatro, gosto muito da ideia de encarnar personagens. Esta - Krory, do 'D. Grey Man' - é bastante emotiva e complicada. Gosta de uma mulher que é um demónio e não sabe se a há-de matar ou não... Identifico-me bastante, a nível emocional", confessa.

Começa o desfile. Uns descem as escadas com ares de manequim bamboleante, rodando capas, sacando espadas, parando em frente às objectivas. Outros, mais insípidos - as tais personagens vestidas de calça de ganga e t-shirt branca -, arrebatam a plateia como se fossem pop stars... Muitos posam com o V de vitória. O vencedor será anunciado no dia seguinte - é Krory, o amante de teatro. O 'teatro' desta geração não tem tábuas nem palco. Mas é saudável e criativo.

Publicado na Revista Única do Expresso de 13 de Fevereiro de 2010

By: Maki

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